segunda-feira, 24 de março de 2014

A Nova Viúva e a Velha Lagoa do Ouro - Tomo I

Tomo I - Histórias, Lendas e Leis

Reza uma lenda originária dos primórdios da República que de tempos em tempos uma certa mulher, viúva, casava-se em busca da felicidade e para suprir suas necessidades. Entretanto, tão logo se passavam quatro anos do enlace matrimonial a velha mulher se via enviuvada novamente e desejosa de um novo conúbio. Ninguém conseguia compreender o que acometia tal mulher. Muitos achavam aquilo muito estranho, embora outros tantos a admiravam por acreditarem que suas tragédias pessoais apenas servissem para fortalecê-la. Aquela era uma viuvez diferente, nem sempre decorrente de morte do esposo pois a velha mulher declarava-se viúva toda vez que seu companheiro a abandonava e desaparecia. E assim continuou a viúva levando sua vida, entre alegrias e tristezas, como que destinada a enviuvar-se sempre e a crescer. Vez por outra ela se engraçava tanto do seu marido que lhe permitia dobrar seu deleite. Excepcionalmente, a viúva mantinha seu relacionamento por um período maior, de oito anos. 
Na verdade aquela viúva não era a única a se ver em tal situação na vida 'amorosa'. Ocorre que se constatou no Brasil, em fins do ano de 2012, que havia outras 5.564 viúvas espalhadas pelo território nacional. Em 2013 esse números subiu para 5.570 no total.

Naquele memorável ano de 2012, no Estado de Pernambuco, uma certa viúva quase vê seu novo pretendente ser sepultado. Mas como que por um milagre (não se sabe de quem), o prometido manteve-se vivo. Na verdade, ele era um marido antigo com a qual a viúva já vivera. Casaram-se turbulentamente no começo do ano seguinte. Tudo corria relativamente bem até que no início deste ano ocorreu algo surpreendente - ao invés da viúva sepultar o marido, foi ele quem a sepultou!

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Passado o frenesi e as contestações sobre a mais 'imponente' obra já feita no município de Lagoa do Ouro, trazemos aqui algumas considerações importantes a respeito da construção do novo prédio administrativo da prefeitura municipal.

É fato que o município de Lagoa do Ouro precisa avançar em seu desenvolvimento e toda medida por parte da administração municipal neste sentido é válida e deve ser apoiada, independente de quem lá esteja pois o que se pretende ao qualificar, dinamizar e gerir os serviços públicos é atender às demandas da população. Sendo assim, a construção de um novo prédio da Prefeitura no município foi uma decisão em parte acertada e para ser concretamente útil precisamos aguardar a finalização das obras e saber como tal prédio será usado, o que de fato será concentrado nele, visto que atualmente o município gasta mensalmente milhares de reais em aluguéis de prédios para as diversas secretarias. Assim, resta saber se o que se pretende é economia ou mordomia... há que se ver.

Prédio novo, nova estrutura administrativa e maior abertura para o acesso publico é o que se aguarda. Sem dúvida o prédio dará uma nova aparência à gestão do município e espera-se que juntamente com ela venha também uma maior transparência. 

No final do ano passado o município de Lagoa do Ouro foi listado entre aqueles que, no Agreste e Sertão pernambucano, não cumpriam a Lei Complementar nº 131/2009 e da Lei 12527/2011, no que diz respeito à implementação do Portal da Transparência, o que motivou os Ministérios Públicos Estadual e Federal a realizarem audiência pública no dia 09 de dezembro de 2013, em Garanhuns, para tratar sobre o assunto. 

Com o tema "Portal da Transparência: Fiscalizar é direito", a audiência contou com a participação de representante do Fórum Permanente de Combate à Corrupção em Pernambuco, conforme noticiou este blog (aqui).

Voltando à construção, após seu anúncio, os munícipes se alegraram. Não durou muito, porém, para que se soubesse que o novo prédio seria construído no mesmo lugar em que funcionava o antigo o qual seria, portanto, derrubado. Assim muitas pessoas passaram a lamentar e no dia da demolição cidadãos que presenciaram e vivenciaram a história do município chegaram às lágrimas ao ver o velho prédio e antiga escola ir ao chão. Sugestões de que o novo prédio fosse feito em outro lugar, que o prédio antigo fosse transformado em biblioteca, museu e outras coisas mais foram ditas.

Maior que a surpresa da construção foi a lamentação da perda de um inestimável patrimônio público históricoPor outro lado, muitos defenderam a demolição alegando que era necessária justamente para o progresso da cidade.


Patrimônio Público, Histórico e Cultural

Segundo a redação da Lei 4.717, de 29 de junho de 1965, em seu Art. 1º, § 1º, Patrimônios Públicos são os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico. Todo e qualquer bem público, como prédios, praças, ruas, terrenos, placas, banco de praça, parques, esculturas, etc.. formam o conjunto de bens que pertencem ao domínio do poder público e que se servem para atender a seus próprios objetivos ou para servir à produção de utilidades indispensáveis às necessidades da população. Ainda no mesmo artigo, a Lei fala que qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios.

Por sua vez, Patrimônio Histórico e Cultural pode ser definido como um bem material, natural ou imóvel que possui significado e importância artística, cultural, religiosa, documental ou estética para a sociedade. Estes patrimônios foram construídos ou produzidos pelas sociedades passadas, por isso representam uma importante fonte de pesquisa e preservação cultural. É o conjunto das manifestações produzidas socialmente ao longo do tempo no espaço urbano, seja no campo das artes, nos modos de viver, nos ofícios, festas, lugares ou na paisagem da própria cidade, com seus atributos naturais, intangíveis e edificados. As edificações, o traçado da cidade, o desenho dos passeios, as praças, o paisagismo, as manifestações culturais, os costumes, os saberes, celebrações e práticas culturais tornam-se referências simbólicas e afetivas dos cidadãos em relação ao espaço vivido, e constituem a imagem, a identidade de sua cidade. Preservar o patrimônio cultural de uma cidade é manter as marcas de sua história ao longo do tempo e, assim, assegurar a possibilidade da construção dinâmica da identidade e da diversidade cultural daquela comunidade.

Se você quiser saber melhor a respeito sobre o que é bem cultural, bem público, patrimônio, memória, tombamento, como preservar e porque preservar, etc., um grupo do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de São Paulo (CREA-SP) produziu um excelente material que você pode ver clicando aqui.

Voltando para nossa lagoa esquizofrênica, como por aqui ninguém se manifestou oficialmente procurando o Poder Judiciário para impedir a demolição, o prédio veio abaixo.

"...daqui a pouco somos um povo sem história, 
do jeito que vai só irão restar as fotos."
- morador da cidade deixando sua opinião no facebook  (06.01.14)


A 'Velha Viúva' foi usada durante muito anos pela administração municipal. Antes, fora uma bem localizada Escola na qual os mais velhos concidadãos aprenderam os conteúdos das disciplinas dos currículos escolares, deixando saudade na memória de quem por lá passou. Diz-se que já tinha mais de 80 anos e era, portanto, a testemunha de muitas décadas de história do município, sendo até bem mais velho que o mesmo, que amanhã completará seus 52 anos. Com a demolição do antigo prédio, a cidade perdeu um recorte importante de seu passado, no qual se vislumbrava as linhas e contornos de uma arquitetura e engenharia peculiares do século XIX. Jaz agora na memória da cidade e está guardado na lembrança de poucos. Pouco ainda resta de tais traços culturais e infelizmente são propriedades particulares, vulneráveis a também serem perdidos com o passar dos anos. Se um prédio público, robusto e histórico foi posto no chão, será difícil encontrar daqui algumas décadas ao menos uma fachada de casa ou comércio nas ruas da cidade que tragam ainda o traçado dos tempos passados. As gerações futuras se pronunciarão com menos piedade sobre tais coisas e lamentarão o que deles foi tirado, afinal "preservar um Patrimônio Histórico não é apenas manter de pé um passado mumificado. É, antes de tudo, conservar a cidadania de um povo" - André Raboni.

Amanhã voltaremos com o Tomo II.
Leia o Tomo II e o Tomo III
Por uma cidade melhor e de todos.
Douglas Lemos 

Um comentário:

  1. Parabéns gostei do texto e uma pena que ninguém não acionou a justiça para que o predio não viesse ao chão... Só espero que os gastos com alugueis desnecessarios venham a acabar pois e uma vergonha o tanto de aluguel que pagam etc.

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